terça-feira, 6 de outubro de 2009

"EU, um outro" - Imre Kertész - editora Planeta


Imre Kertész ganhou o Prêmio Nobel de Literatura 2002.

Este seu livro me atraiu pelo título e, o autor, deve ter uma especial delicadeza.

Doeu na alma ler esse seu livro. Porém, ao mesmo tempo, fica a mensagem e convicção do quanto cada um de nós precisa lutar para viver e proteger momentos de beleza.

Como superar a memória coletiva ou a experiência pessoal da barbárie - invasiva, opressora, destrutiva e castradora? Não há quem saia ileso(a) de uma experiência agressiva e perversa, constante e reincidente.

Identifiquei-me em várias passagens do livro e, eu explico: nasci no Brasil, numa cidade do interior do estado de S.Paulo, de mãe e pai brasileiros, mas ao entrar na escola, pequena, dei-me conta que por ter um sobrenome diferente com dois z, u e k, e de grafia incomum, criava curiosidade no meio dos colegas de sobrenomes latinos.

Essa era uma singela diferença pois, criança, eu desconhecia as  diferenças sociais existentes no momento de nosso nascimento pela ascendência,  pela "casta" e tantas outras estratificações  entre os seres humanos independentemente da cor da pele...

Três dos meus avós eram italianos que haviam chegado no século 19 ao Brasil. O pai de meu pai, nascido em setembro de 1877, veio ao Brasil muito jovem, com menos de 18 anos, e talvez tivesse nascido na fronteira alemã - austro - húngara, não identificada, ou teria sido da Croácia ou Polônia?  Nunca souberam precisar o nome da cidade e ele jamais voltou para sua terra, foi com sua mulher para a Itália aos 50 anos.

Na década que nasci, felizmente a segunda guerra havia acabado há mais de 6 anos mas, havia um "carimbo" para o perfil de "alemães". Ressaltavam seus piores aspectos, grotescos, não importava quão amorosos, sensíveis, habilidosos, trabalhadores, cordatos e agradáveis fossem seus descendentes ou familiares.

Na infância, eu lera aterrorizada o Diário de Anne Frank, e era ávida leitora das histórias terríveis dos regimes totalitários da União Soviética, a asfixiante "cortina de ferro", e as mirabolantes fugas das pessoas pelo Muro de Berlim. Algumas vezes, vi-me sendo olhada como alemã, no sentido ruim do que isso significa.

Será que no regime totalitário faziam censura de cartas? Colocavam filhos contra os pais? Destruíam crenças e laços afetivos? Destruíam famílias e relações pessoais honestas? Se isso era o regime totalitário, com certeza era o oposto de tudo o que eu acreditava e queria para minha vida.

Sei que o preconceito é generalizado em todas as culturas, raças, religiões e gêneros. É um fato muito triste e pesado!  E essa sensação de confusão de identidade é explicada por Imre Kertész na pg 127 " Ao deixar Avignon, procurando pela estrada, ficamos presos com nosso carro alugado, de placa alemã, numa ruazinha estreita, provavelmente também na contra mão; de repente, um golpe forte estrondeia em cima do carro e uma voz horrível, distorcida pelo ódio, grita :  "Weg von hier!", com forte acento francês. Passado o susto, compreendo: tratava-se de um simples mal entendido, a voz era de um francês germanófobo que queria mandar-me, judeu vagabundo de Peste, para o inferno francês planejado por ele para os alemães. Vejam só: num segundo transformei-me de judeu perseguido em alemão perseguido... Este mundo é assim mesmo, ao vingar-se, vinga-se de si mesmo."


pg 37 " Gostaria de prosseguir, mas há uma incerteza trêmula dentro de mim, uma nostalgia insuperável. Pois eu também tenho amor por minha solidão, pelas horas íntimas de ler e de atormentar-me, pela fonte de energia que se oculta no abandono, por todo esse velho estilo de vida que já virou parte de mim ... "

pg 8 " Sempre fui propenso, e continuo até hoje, a me considerar um "qualquer", que, em um sentido, não poupa esforços: no sentido de manter a lucidez diante de tudo. ... Mesmo que rangendo, abriu-se a porta da cela onde me mantiveram preso durante quarenta anos e pode até ser que isso seja o suficiente para me desnortear. Não se pode viver a liberdade no mesmo lugar onde se viveu a servidão. Deveria ir a um lugar distante, bem longe daqui. Mas não o farei. Então sou eu quem precisa renascer, transformar-me...mas em quem, em quê?"
Maria Lucia Zulzke, em São Paulo - SP - Brasil, em 7 de outubro de 2009, 1:40 am.

"O Homem que calculava" - Malba Tahan - ed. Saraiva

                                 
"A pérola de Lilavati" - ano 508 - 1014 da era cristã

Sobre uma moça, cuja vida era definida por uma única chance.... realizar um casamento!


capitulo XVIII - Lilavati -  "Baskara tinha uma filha chamada Lilavati. Quando essa menina nasceu, consultou ele as estrelas e verificou, pela disposição dos astros, que sua filha, condenada a permanecer solteira toda a vida, ficaria esquecida pelo amor dos jovens patrícios.

Não se conformou Baskara com essa determinação do destino e recorreu aos ensinamentos dos astrólogos mais famosos do tempo. Como fazer para que a graciosa Lilavati pudesse obter marido, sendo feliz no casamento?

Um astrólogo, consultado por Baskara, aconselhou-o a casar Lilavati com o primeiro pretendente que aparecesse, mas demonstrou que a única hora propícia para a cerimônia do enlace seria marcada, em certo dia, pelo cilindro do Tempo.

Os hindus mediam, calculavam e determinavam as horas do dia com auxilio de um cilindro  colocado num vaso cheio dágua. Esse cilindro, aberto apenas em cima, apresentava pequeno oríficio  no centro da superfície da base.
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Lilavati, foi, afinal, com agradável surpresa para seu pai, pedida em casamento por um jovem rico e de boa casta. Fixado o dia e marcada hora reuniram-se os amigos para assistir à cerimônia. Baskara colocou o cilindro das horas e aguardou que a água chegasse ao final marcado. A noiva, levada por irreprimível curiosidade, verdadeiramente feminina, quis observar a subida da água no cilindro. 

Aproximou-se para acompanhar a determinação do Tempo.

Uma das pérolas de seu vestido desprendeu-se e caiu no interior do vaso. Por uma fatalidade a pérola levada pela água foi obstruir o pequeno orifício, impedindo que nele pudesse entrar a água do vaso. O noivo e os convidados esperaram com paciência largo período de tempo. Passou-se a hora propícia sem que o cilindro indicasse o tempo como previra o sábio astrólogo. O noivo e os convidados retiraram-se...

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O jovem brâmane, que pedira Lilavati em casamento, desapareceu semanas depois e a filha de Baskara ficou para sempre solteira.

Reconheceu o sábio geômetra que é inútil lutar contra o Destino e disse à sua filha:

- Escreverei um livro que perpetuará o teu nome e ficarás na lembrança dos homens mais do que viveriam os filhos que viessem a nascer do teu malogrado casamento.

A obra de Baskara tornou-se célebre e o nome de sua filha surge imortal na História da Matemática.

"Nem a adição, nem a subtração, por maiores que sejam, fazem sofrer perda ou acréscimo à quantidade chamada quociente por zero".


(tantas maneiras de interpretar a moral dessa história: se a felicidade de uma mulher ficar restrita ao amor de um homem, como durante séculos e, sendo os homens volúveis, inconstantes e chegados a namoricos ao longo da vida, e sabendo que, alguns homens só amadurecem depois de 50 ou 60 anos, outros jamais amadurecem .... nem toda a água do mundo seria suficiente para fazer essa mulher feliz se for usar o Cilindro do Tempo para ver a hora exata para se casar! Principalmente porque o cilindro foi danificado.

Existem várias formas de amor na vida: amor à arte, à literatura, aos amigos, ao mar, à Roma, à música, à Paris, aos filhos mesmo sem acontecer um casamento, aos estudos, à sinceridade, ao trabalho e até à matemática... )

É muita determinação do destino mas parece que assim é.

por Maria Lucia Zulzke, em 06 de outubro de 2009, às 10:12 am, em São Paulo - SP - Brasil