quarta-feira, 23 de setembro de 2009

"Passagens - crises previsíveis da vida adulta", por Gail Sheehy

Tenho esse livro há muitos anos. A versão brasileira saiu em 1979 e é uma espécie de guia para elucidar os desafios, dificuldades e etapas que acompanham as nossas fases de crescimento e amadurecimento, a fase adulta - entre os 18 e os 50 anos, centro da vida, época de desenvolvimento e oportunidades.

Pessoas apresentam problemas? Hoje, crianças, adolescentes, adultos com dificuldades recebem rótulos inúmeros - doença do TOC, transtornos inúmeros, bipolaridades, demência e tantos outros termos que geram discriminações e desqualificações dos seres humanos.

Uma ironia da sociedade que devemos ficar muito atentos: os "vencedores" na concepção e receptividade pública e no sucesso financeiro, podem se dar ao luxo de serem bagunceiros e encrenqueiros, e briguentos. Recebem um rótulo bonito no julgamento popular  - são hiperativos!

Um outro aspecto importante na avaliação das fases das pessoas - quão mais presos às tradições, controles, ou porque nascem muito ricos e donos de poder social, e gozam de grande estabilidade social, desfrutam de prerrogativas das quais serão privados os com menos condições intelectuais e econômicas.

A autora, embora tendo escrito o livro numa época diferente da atual, começa no capítulo primeiro com o relato de seu colapso nervoso aos trinta e poucos anos. Ela sofre um trauma imenso numa fase feliz e produtiva de sua vida. Estava conversando com um rapaz na Irlanda do Norte e uma bala de verdade destruiu o rosto do rapaz! Não era cinema, nem teatro e nem literatura ou arte. Era um dado da realidade que a alteraria!

nas páginas 10 e 11 ela descreve a desintegração da mente de uma senhora ativa e alerta, diante de uma perda irreparável - ela relata, também, experiência pessoal imaginando-se doida, diante de sua própria morte. Precisamos lutar e assimilar nossas deficiências e o lado destrutivo do mundo.

As pessoas não entendem as razões que levam outras pessoas a não superar dificuldades. São inúmeras as razões que fragilizam seres humanos e é muito mais fácil rotular e excluir.

Para quem não quer ser vítima dos autores de rótulos e carimbos de personalidades, esse livro ajuda muito! São inúmeros os núcleos onde precisamos organizar nossas vidas, são inúmeros os núcleos acolhedores ou, pelo contrário os núcleos julgadores, redutores e castradores das nossas potencialidades.

Essa autora querida, com seu livro, nos estende as mãos para atravessarmos mais uma etapa nova e única de nossas vidas. Visões distorcidas de envelhecimento e solidão ou, sistemas que insistem em vender a imagem da juventude eterna, deixam os seres comuns se sentindo "restos humanos" e se sabe que são procedimentos de manipulação psicológica deliberada, que tem como objetivo final induzir ao consumo - come-se muito para reduzir a ansiedade, usam-se remédios e outras muletas para superar o que poderíamos encaminhar de forma mais amorosa, quando entendemos o núcleo de cada um de nós.

Trechos do livro:

"os louros são reservados a realizações externas e não as internas"

"Todos nós temos aversão a generalizações, por julgarmos que elas violam o que cada um de nós tem de singular. No entanto, à medida que envelhecemos, mais nos tornamos conscientes da universalidade de nossas vidas, como também de nossa solidão essencial como navegadores na jornada humana.... A generalização me assustava cada vez menos. Reli uma observação de W.Carter com uma mistura de divertimento e aprovação: Só há duas ou três histórias humanas, que se repetem furiosamente, como se nunca tivessem acontecido antes".

"A sociedade oferece pouco apoio às pessoas que se desviam do rumo familiar de desenvolvimento. O disse-me-disse os transforma em pessoas "diferentes" porque elas desafiaram a sabedoria convencional e ameaçam o resto do rebanho."

"As pessoas ficavam perplexas com esses períodos de abalo. Tentavam relacioná-los com acontecimentos externos em suas vidas, mas não havia nenhuma constância nos acontecimentos que culpavam, ao passo que havia uma notável constância no tumulto interior que descreviam."

"O segundo objetivo seria comparar os rítmos de desenvolvimento de homens e mulheres. Logo se tornou gritantemente óbvio que o andamento do desenvolvimento não é sincronizado nos dois sexos. As fases fundamentais de expansão que conduzirão uma pessoa, com o tempo, ao pleno florescimento de sua individualidade são as mesmas para os dois sexos. Mas, raramente, homens e mulheres estão lutando com as mesmas perguntas na mesma idade."

Capítulo 18 - Dante Alighieri, na abertura da Divina Comédia: " No meio da viagem de nossa vida, encontrei-me numa floresta escura onde havia perdido o caminho. Ah, como é dificil falar daquela floresta, selvagem, rude e tensa, cuja lembrança renova meu medo. Nem a morte é mais horrenda."


Dante escreveu essas palavras em seu 42 aniversário.... era um idealista apaixonado aos 35 anos, casado com uma dona de terras e pai de vários filhos, e tinha sido eleito um dos principais magistrados de Florença. Tentou julgar com justiça em meio a violentas lutas políticas. Mas em 1302, Dante foi condenado in absentia por se recusar a reconhecer a autoridade do Papa em assuntos civis. Era uma transgressão da qual ele se orgulhava e de que não se arrependia. Rejeitou as regras "deles" em favor de sua própria autoridade. Em consequencia disso, seus bens foram confiscados e Dante foi banido de sua cidade natal.


Acontece que Dante começou a vaguear pelas aldeias e bosques da Itália, a "floresta escura" de que ele fala. Naquela floresta, face a face com os demônios com que todos nós nos confrontamos nesse período, ele lutou com divisões terríveis dentro de si mesmo."


"Ao assumir o papel de peregrino na Divina Comédia, ele representava o homem comum. E escolheu não um santo, e sim um pagão para o conduzir através do inferno. Para ele, renunciar ao mundo, como faz um religioso, seria negar grande parte de si mesmo, e para tanto ele era um poeta orgulhoso demais" ...

"A meia idade é definitivamente uma época para se ter um saudável respeito pela excentricidade. Isso só é possível quando vencemos o hábito de tentar agradar a todo mundo, o que parece acontecer tardiamente para muitas mulheres.... Quero que algumas pessoas gostem de mim, e basta."

O livro é volumoso, quase 500 páginas de estudos mostrando inteligência, delicadeza, pesquisa, espírito de investigação e cultura ampla. A autora realizou 115 entrevistas e fez o trabalho com bolsa da Fundação Alicia Petterson para estudar o desenvolvimento adulto.

por Maria Lucia Zulzke, em S.Paulo - SP - Brasil, em 23 de setembro de 2009, às 12:50pm